domingo, 20 de novembro de 2011

O tempo que não cura


Ouviu vezes sem conta “O tempo tudo cura”, e por cada vez que ouvia essa frase, o nó nada cego que trazia dentro de si dava mais um mortal enpranchado à retaguarda, retorcia-se em silêncio e acompanhava o sorriso em trejeito que se limitava ao lado esquerdo do rosto.
Detestava aquela frase. Era contrária a tudo o que sentia, era contrária a tudo o que sabia, era contrária a mais de metade da sua vida. Sobretudo naquele dia, sobretudo naquele aniversário que poucos sabiam existir. Tinham passado mais de 17 anos, mais precisamente 6385 dias e a dor não tinha aquietado, a saudade não tinha passado, o luto continuava em carne viva. Todos esperavam que tivesse recuperado, é o que se espera, que se recupere das perdas, das mortes, dos lutos. Era o que se esperava, e era provavelmente o que teria acontecido não fosse ela quem fosse, não tivesse sido a morte de quem foi.
E as vozes continuavam, o tempo tudo cura, vais ver.
Mas não via…
6385 dias depois e continuava a sentir no pescoço aquela mão esguia que encaixava na perfeição em cada curva do seu corpo, continuava a saber de cor o seu cheiro. Bastava-lhe fechar os olhos para sentir o seu toque, uma tatuagem invisível que se estendia por cada pedaço de pele. E por mais outros toques que sentisse, por mais corpos que conhecesse, nenhum seria como aquele, aquele continuava sempre a sentir, mesmo passados 6385 dias sem o sentir.  E os olhos, aqueles olhos que a conheciam como ninguém, continuavam a ser a primeira coisa que via em cada acordar, mesmo passados 6385 dias sem os ver.

3 comentários:

  1. que sentimento tãoooo partilhado.... há coisas que de facto o tempo não cura! F.

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  2. Leio-te e pergunto-me...
    O que é a cura?
    Porque é que assim tão incessantemente o homem comum, o homem vulgar, procura uma cura? Um remédio?
    Tão freqüentemente ouvimos "Olha, que remédio"
    Como se tivéssemos de aceitar tudo como cura de si mesmo!
    Lá está a cura de novo...
    E que tempo é esse que dizem que cura?
    Cura... uma ferida sara, um cabelo cresce, uma semente renasce, uma goticula evapora... mas e nós?
    E aquilo que trazemos em nós mais denso que uma ferida, mais complexo que um cabelo ou uma semente, mais profundo que uma goticula?
    Nós saramos? Nós crescemos? Nós renascemos? Nós evaporamos?
    Nós seremos sempre um nós
    Uma ligação maior
    Um elo Indissociavel às coisas, às pessoas, aos momentos, que esse "nós" quiser
    Venha o Mundo que vier
    E a cura que quiserem apregoar
    Ou o remédio que queiram aplicar
    Nós seremos sempre nós
    Nessa miscelânea de mim, de ti e dos eus que completam o círculo do nosso "nós"
    Não há cura...
    Não há remédio...
    Não há tempo...
    Há o nós...
    E que bom que há...
    O nós... para sempre...

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  3. Obrigada pelas partilhas, F. e Aglaia! :)

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