domingo, 20 de novembro de 2011

O tempo que não cura


Ouviu vezes sem conta “O tempo tudo cura”, e por cada vez que ouvia essa frase, o nó nada cego que trazia dentro de si dava mais um mortal enpranchado à retaguarda, retorcia-se em silêncio e acompanhava o sorriso em trejeito que se limitava ao lado esquerdo do rosto.
Detestava aquela frase. Era contrária a tudo o que sentia, era contrária a tudo o que sabia, era contrária a mais de metade da sua vida. Sobretudo naquele dia, sobretudo naquele aniversário que poucos sabiam existir. Tinham passado mais de 17 anos, mais precisamente 6385 dias e a dor não tinha aquietado, a saudade não tinha passado, o luto continuava em carne viva. Todos esperavam que tivesse recuperado, é o que se espera, que se recupere das perdas, das mortes, dos lutos. Era o que se esperava, e era provavelmente o que teria acontecido não fosse ela quem fosse, não tivesse sido a morte de quem foi.
E as vozes continuavam, o tempo tudo cura, vais ver.
Mas não via…
6385 dias depois e continuava a sentir no pescoço aquela mão esguia que encaixava na perfeição em cada curva do seu corpo, continuava a saber de cor o seu cheiro. Bastava-lhe fechar os olhos para sentir o seu toque, uma tatuagem invisível que se estendia por cada pedaço de pele. E por mais outros toques que sentisse, por mais corpos que conhecesse, nenhum seria como aquele, aquele continuava sempre a sentir, mesmo passados 6385 dias sem o sentir.  E os olhos, aqueles olhos que a conheciam como ninguém, continuavam a ser a primeira coisa que via em cada acordar, mesmo passados 6385 dias sem os ver.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

94

"Sleepless nights you creep inside of me
Paint your shadows on the breath that we share
You take more than just my sanity
You take my reason not to care
No ordinary wings I'll need
The sky itself will carry me back to you
...
The earth that is the space between,
I'd banish it from under me...to get to you"
Sara B.

sábado, 16 de abril de 2011

Há sentires impalpáveis
Incertos, de contornos difusos
Esboços de tudo e de nada
Sem forma certa, sem limites que lhes dêem contorno
Figuras dispersas que dançam na noite, como fantasmas
E é à noite, é sempre à noite que os fantasmas saem para dançar


domingo, 10 de abril de 2011

Cheia de ti

Deixa-me
Encher-me de ti
Encher os sentidos, as mãos e o corpo,
A vontade e a saudade.
E então, já cheia de ti,
Deixa-me descansar, assim
Cheia, em mim

terça-feira, 22 de março de 2011

Onda Maior

Trazia o mar na ponta dos dedos
Sorvia a espuma irrequieta dos dias leves, aquecida por um sol maior
Escondia-se por detrás de pequenos grãos de areia
Serpenteava por entre rochas de sombras cálidas
Sulcava dunas desenhadas em vagas de sal, que nasciam sob os seus pés
Repousava em  grutas quiméricas, apenas para se reerguer em cada volta de Sol
As gentes da Tribo chamavam-lhe Onda Maior
Limitava-se a sorrir e a dizer:
Sou apenas eu, o Mar encarnado em corpo de mulher.