Ouviu vezes sem conta “O tempo tudo cura”, e por cada vez que ouvia essa frase, o nó nada cego que trazia dentro de si dava mais um mortal enpranchado à retaguarda, retorcia-se em silêncio e acompanhava o sorriso em trejeito que se limitava ao lado esquerdo do rosto.
Detestava aquela frase. Era contrária a tudo o que sentia, era contrária a tudo o que sabia, era contrária a mais de metade da sua vida. Sobretudo naquele dia, sobretudo naquele aniversário que poucos sabiam existir. Tinham passado mais de 17 anos, mais precisamente 6385 dias e a dor não tinha aquietado, a saudade não tinha passado, o luto continuava em carne viva. Todos esperavam que tivesse recuperado, é o que se espera, que se recupere das perdas, das mortes, dos lutos. Era o que se esperava, e era provavelmente o que teria acontecido não fosse ela quem fosse, não tivesse sido a morte de quem foi.
E as vozes continuavam, o tempo tudo cura, vais ver.
Mas não via…
6385 dias depois e continuava a sentir no pescoço aquela mão esguia que encaixava na perfeição em cada curva do seu corpo, continuava a saber de cor o seu cheiro. Bastava-lhe fechar os olhos para sentir o seu toque, uma tatuagem invisível que se estendia por cada pedaço de pele. E por mais outros toques que sentisse, por mais corpos que conhecesse, nenhum seria como aquele, aquele continuava sempre a sentir, mesmo passados 6385 dias sem o sentir. E os olhos, aqueles olhos que a conheciam como ninguém, continuavam a ser a primeira coisa que via em cada acordar, mesmo passados 6385 dias sem os ver.